Objectivos


A base de dados

No estado actual a base de dados inclui a transcrição de ocorrências na literatura identificadas como “Fado” pelos próprios autores e editores das mesmas. Para identificar uma obra como “Fado” o critério principal é este aparecer no título como “Fado da Malva”, por exemplo, ou então aparecer uma nota de rodapé ou sub-título indicando essa menção. A categorização é assim atribuída pela fonte.

As fontes até à data constam do Fado do Marinheiro, reclamado por Alberto Pimental na sua “Triste Canção do Sul”, como sendo o mais antigo [1]; dos 48 fados constantes no “Cancioneiro de Músicas Populares” de César das Neves [2], e de 51 partituras encontradas no acervo de folios individuais e manuscritos que se encontravam do Museu Nacional do Teatro. Estima-se que estas fontes cubram essencialmente repertório entre cerca de 1850 a 1970.

Segundo Rui Vieira Nery, estas transcrições destinavam-se a serem executadas pelas senhoras das classes altas nos seus salões. O modelo de distinção social aceite na altura era aquele importado de Paris e por isso era da maior importância saber-se Francês e tocar piano ao nível básico [3, p. 55].

De acordo com João Leitão da Silva [4, chp. 3], a noção que estas partituras eram destinadas ao mercado de entretenimento doméstico levava os editores a apresentá-las de acordo com as convenções da música comercial da época, nomeadamente adaptando as harmonias e instrumentação a essas convenções, suavizando as letras, e dedicando cada obra a uma dama da alta sociedade. O facto de serem destinadas ao piano também nos indica que a escrita deverá reflectir alterações que permitiram esse facto, isto é, os acordes terão sido re-arranjados e transpostos para facilmente serem executados ao piano, perdendo-se parte do que seria a escrita idiomática se fossem executados em viola ou guitarra, conforme a iconografia e descrições literárias nos mostram. Para além do mais, a escolha do repertório a ser transcrito também privilegiava a textura de voz solista apesar de muitas canções tradicionais Portugueses (do Alentejo e Minho, por exemplo) serem polifónicas. Também as melodias podem ter sido “alisadas” de forma a tornarem-se tonais e diatónicas, e re-harmonizadas consoante tal. De uma certa maneira, e imitando um fenómeno comum a outros géneros populares e tradicionais da Europa, a classe social enformou um cânone [5, pp. 73–74], e o mero estudo das músicas da população rural através de noções de objectividade científica, reflectia as idiossincrasias e valores dos colectores e editores ao invés das do repertório em questão.

[1] A. Pimentel, A triste canção do sul (subsidios para a historia do fado). Lisboa: Gomes de Carvalho, 1904.
[2] C. das Neves & G. Pais, Cancioneiro de musicas populares: contendo letra e musica de canções, serenatas, chulas, danças, descantes … e cançonetas estrangeiras vulgarisadas em Portugal, 3 vols. Typographia occidental, 1893.
[3] R. V. Nery, Pensar Amália. Tugaland, 2010.
[4] Leitão da Silva, J., Entertaining Lisbon: Music, Theater, and Modern Life in the Late 19th Century. Oxford University Press, 2016.
[5] K. Negus, Popular Music in Theory: An Introduction. Wesleyan University Press, 1997.

Metodologia

Todas as transcrições feitas são apresentadas em edição própria a partir dos manuscritos digitalizados das fontes. A cada ocorrência encontrada e identificada como “Fado” foi atribuído um número “001”, “002”, que representa apenas um critério cronológico a quando a fonte foi trabalhada e não reflecte qualquer ordenamento em particular relativo ao próprio universo das fontes.

Para a transcrição procedeu-se à cópia o mais fiel possível de todas as indicações anotadas na partitura referentes a compasso, armação de clave, andamentos, dinâmicas e alturas em geral. Foram omitidas quaisquer referências a títulos, autores, datas, edições. Todas estas informações “secundárias” estão remetidas para os campos de texto da base de dados e não constam das partituras transcritas. Nas partituras procurou-se apenas reter a informação necessária à execução da música instrumental. Todas as partituras foram reduzidas ao modelo de melodia acompanhada, passível de ser executada num piano. Quando a fonte original tinha linha de voz e letra esta foi omitida. A melodia da voz aparece sempre na mão direita do piano, podendo ser reforçada ou acompanhada com contra-cantos. A ideia é que o arranjo seja suficiente por si próprio sem necessidade de um vocalista.

Quando se encontraram incongruências ou o que consideramos serem “erros” melódicos, harmónicos ou temporais estes foram corrigidos para a alternativa mais lógica, tendo sido acrescentado um comentário filológico relatando tal facto, de forma que se possa sempre fazer um juízo sobre o original da fonte. Tais tipos de erros contam-se como sendo notas fora do lugar, omissão de alterações, compassos com tempos a mais ou a menos. Quando se encontraram erros de forma estes não foram corrigidos, mas tal foi referenciado na fonte. Consideram-se que os erros de forma foram opções conscientes do transcritor/autor original, ainda que não concordemos com eles actualmente. Por tais erros consideramos, por exemplo, frases ou secções de nove compassos numa obra simétrica onde todas as outras contêm oito.

Regra geral considerando os princípios de análise e metodologia musicológica e filológica, como referenciados, por exemplo, por Nicholas Cook [1] , Feder [2], Grier [3] ou Bardin [4], como sendo evidência e coerência interna, relativa à própria obra, ou evidência externa, relativa ao estilo e ao corpus de obras em questão. Também relevante é o modelo descritivo proposto por Ernesto Vieira, no seu “Dicionário Musical”, em 1890.

“um período de oito compassos em 2/4, dividido em dois membros iguais e simétricos, de dois desenhos cada um; preferência do modo menor, embora muitas vezes passe para o maior com a mesma melodia ou com outra; acompanhamento de arpejo em semicolcheias feito unicamente com os acordes da tónica e da dominante, alternados de dois em dois compassos” [5, pp. 238–239].

Procurámos uniformizar e corrigir todas as transcrições para que estas reflictam da melhor forma possível o universo patrimonial em questão e ser possível a sua comparação e análise como um grupo coerente. Dado o carácter digital destas edições quaisquer correcções de pormenor, revisões ou modificações poderão ser sempre efectuadas a qualquer momento.

[1]    N. Cook, A guide to musical analysis. Oxford University Press, 1994.
[2]    G. Feder, Music Philology: An Introduction to Musical Textual Criticism, Hermeneutics, and Editorial Technique. Pendragon Press, 2011.
[3]    J. Grier, The Critical Editing of Music: History, Method, and Practice. Cambridge University Press, 1996.
[4]    L. Bardin, Análise de Conteúdo. Edições 70, 2009.
[5]    E. Vieira, Diccionario musical contendo todos os termos technicos, com a etymologia da maior parte d’elles … Gazeta Musical de Lisboa, 1890.